quarta-feira, 27 de junho de 2007

Um acampamento feminista e pelos direitos sexuais!

Falar de luta feminista em Portugal era quase sempre um tema ingrato. Ingrato porque a sua face mais visível era invariavelmente a questão da despenalização do aborto. Agora muito mudou, ganhámos a luta, tirámos a pedra do sapato. Agora somos mais livres.
Mas quero falar de uma luta permanente. Não recorrerei ao facilitismo de a apelidar de guerra dos sexos, nem ao lugar comum de ver os homens como inimigos arquétipos das mulheres. Trata-se tão simplesmente de reconhecendo a discriminação social das mulheres, lidar sem tréguas com ela no quotidiano.
E isto passa por reconhecer que a luta das mulheres pelos seus direitos sociais ou privados tem de ser uma luta autónoma e tem de ser encarada como uma questão específica colocando a questão do género como diferenciadora social a par da questão de classe.
Para além de trabalhadoras, estudantes e desempregadas somos mulheres, e isso faz com que possamos viver a opressão de que ainda hoje somos alvo a partir de uma perspectiva específica que é a do género.
Por isso tenho como fundamental a abordagem do tema do feminismo dentro dos Acampamentos de Jovens Revolucionári@s ao longo das suas várias edições. Mas não podemos partir do princípio que quando pomos os pés no solo do acampamento nos transformamos radicalmente. O acampamento não é uma zona “liberada” e mesmo aqui temos de lidar com estereótipos, preconceitos, ideias feitas, piadas, comportamentos, que são os mesmos contra os quais lutamos no nosso quotidiano. É pena, mas é muito difícil fazer tábua rasa de tudo quanto foi e é a nossa educação e da forma como funciona e como veiculamos os valores da sociedade em que vivemos.
Nestes acampamentos partimos do princípio que durante uma semana as mulheres que assim o entenderem podem organizar as suas próprias actividades, as suas próprias discussões, os seus próprios espaços, a sua própria festa, divertindo-se e partilhando experiências de luta vividas nos seus países. Em suma, tudo aquilo que podendo ser transportado para fora deste acampamento, nos ajuda a aprender a lidar de uma forma combativa com a opressão no nosso dia a dia, nos ajuda a ter mais força e bater com o pé no chão.
No trabalho, na escola, na política, na sexualidade, na família, queremos saber responder àqueles que julgam que o nosso papel é o da subalternidade e submissão. Queremos ser como somos sem ser “femininas” ou “Maria rapaz”. Queremos controlar as nossas vidas sem que nos passem um atestado permanente de menoridade, queremos poder decidir sobre o nosso próprio corpo e a forma como queremos viver a nossa vida.
Vem experimentar um espaço revolucionário, vem rir a bandeiras despregadas, e ser livre e louca.

Já o espaço LGBT (gay, lésbico, bissexual e transgénero) do acampamento, parte de um um pressuposto ligeiramente diferente: sendo igualmente um espaço de auto-organização d@s camaradas LGBT, ele tem por objectivo visibilizar em todo o acampamento esta temática sistematicamente omitida, na vida como no debate e na acção política, sendo essa visibilização activa uma pré-condição para fazer da temática um debate político.
O espaço e a festa LGBT no acampamento da 4ª permitem a muit@s camaradas um primeiro contacto com o debate deste tema, mas também o questionar das suas próprias convicções e preconceitos, quando não da sua própria sexualidade, num espaço relativamente libertado de preconceitos e aberto à experimentação, em que se diluem as fronteiras falsas e artificiais entre homo e heterossexualidade. E sobretudo, trabalhar a consciência dos condicionamentos sociais e políticos que determinam a diferença abissal de acesso a legitimação e direitos em função da diferente orientação sexual de cada um/a, e dos motivos pelos quais esta opressão específica, este sistema político de opressão a que chamamos heterossexismo, é parte integrante e indispensável do sistema de injustiça global que rege as sociedades em que vivemos.
Por outro lado, o acampamento permite aprofundar, abaixo da mera superfície, os debates e contradições que atravessam hoje o movimento LGBT, nacionalmente ou a nível mundial. Em Portugal, o movimento vive hoje um momento de afirmação política e social crescente, mas ainda num contexto de grande clandestinidade das vivências da maioria das pessoas LGBT.
Mas, perante alguns avanços legais nos últimos anos, e avanços sociais relevantes, com muitas pessoas a assumirem as suas vidas “fora da norma” no espaço público, há também sinais contraditórios de institucionalização, de surgimento de novas expressões de fundamentalismo anti-homossexuais, e correntes contrárias que se vão definindo no próprio movimento: umas sem uma crítica social abrangente, que procuram a “integração” da população LGBT na sociedade que existe e abdicam das reivindicações originais do movimento no sentido da libertação sexual, outras revolucionárias, na medida em que entendem a natureza sistémica da discriminação, e que não há como acabar com ela sem transformar radicalmente a sociedade e, a par dela, as nossas vivências sexuais e visões da sexualidade.
A 4ª Internacional é, sem dúvida, a corrente internacional de esquerda com o pensamento e a prática mais evoluída relativamente à luta LGBT. Não só assume e partilha essa luta como, ao contrário de outras esquerdas, entendeu a necessidade, como na luta feminista, de levar à prática hoje, em todos os domínios da acção política e da vida das nossas organizações, aquilo que se defende: não tolerando o preconceito e a discriminação também entre @s militantes, mas pressupondo que tod@s somos portadores de machismo e homofobia e que há que ir trabalhando para os desconstruir; não adiando o combate ao preconceito para o dia de nenhuma revolução, não menorizando certas temáticas em função da centralidade da luta de classes ou de outras lutas “mais importantes”, incorporando-as antes nessa luta única de múltiplas frentes que é o combate ao capitalismo e à injustiça global. É essa prática que levamos ou tentamos levar à prática, de forma não isenta de conflito, nos sete dias deste acampamento FEMINISTA E PRÓ-LGBT!

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