terça-feira, 26 de junho de 2007

Pensar a Utopia - Construir a Realidade

Em 1984 o território europeu era ainda disputado pela lógica da guerra fria e a Alemanha cortada pelo muro em Berlim, o centro estratégico para a instalação dos mísseis da Nato. Na América do Sul, a revolução sandinista recém-triunfante misturava Sandino, Che e Cristo, revelava os poetas-guerrilheiros do novo poder de Manágua, enchia-nos de esperança pela vitória da formiga contra a besta imperialista. Pela Rua da Palma, o internacionalismo era uma componente essencial da política que fazíamos – às vezes quase a única. Pouco tempo antes tinha sido a Polónia da explosão anti-estalinista, com repressão e ilegalização do Solidariedade, a centrar toda a nossa atenção e trabalho. E ainda a greve de fome de Bobby Sands, o preso político irlandês que nos fez desfilar nas ruas de Lisboa encapuçados e dizer: “Somos todos do IRA!”. Os mais antigos lembrar-se-ão ainda do golpe no Chile e do ódio a Pinochet que transbordou numa cidade que tinha acabado de se libertar do fascismo. Ou das imagens fortes do garrote de Franco, aqui ao lado, ainda a funcionar, já Portugal se tinha enchido de cravos.

A boleia foi na camioneta que saia de S. Sebastian – Donostia, como ficámos logo a saber. Foi a primeira e única delegação ibérica. Jovens do PSR, ainda a usar o nome da publicação, “Toupeira” e a descobrir o internacionalismo, a auto-gestão do espaço e da política, a ensaiar as relações na sociedade que sonhávamos debaixo da chuva miúda da Floresta Negra no centro da Alemanha, então República Federal. Ernest Mandel e Daniel Bensaid, ao nosso lado, sentidos como iguais na desbunda dos 17 anos. E Krivine a fazer turnos de bar e o velho dirigente sindicalista sueco a tomar conta da cozinha ou a jovem francesa a dirigir a segiurança do campo. O Socialismo era uma palavra muito grande e a Revolução a identidade comum, nesse acampamento falada em castelhano universal através da letra aprendida do hino dos sandinistas.
Depois foram todos os outros, França, Bélgica, Itália, Barcelona, Checoslováquia, Suécia, Dinamarca… Em 1992 na Serra da Lousã, pela primeira vez, tudo feito pelas nossas mãos, em campo de treino e vigilância dos bombeiros. A magia dos grandes encontros, dos amigos para a vida, dos amores que aí nasceram e todos os verões marcavam encontro. E a política, a procura incessante das formas com que a revolução nos surpreende - aprender, aprender sempre. E o debate vivo, sempre a recomeçar, do feminismo e do espaço de mulheres, a festa de repente colonizada pela política e como pretexto para discutir a vida. E a imagem de Trotski e Che com os lábios pintados a anunciar as iniciativas LGBT (que na altura não se chamavam assim, claro!).
Gerações de militantes, onde muitos, pela primeira vez, saíam do país ou montavam uma tenda, construíram a nossa presença na Internacional e contribuíram em muito para o que seríamos e para o que faríamos depois.
O mundo que de repente parecia pequeno para as nossas lutas, subitamente compreendidas na diversidade comum, nos inimigos comuns ou na esperança partilhada. O mundo que queríamos mudar – queremos ainda – e o nosso pequeno mundo, vivido tão intensamente como podemos imaginar o tempo vivido numa revolução, que nos mudava sempre a nós, cada ano, em Julho.
( texto e fotos de 1984 de JCL)

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